OS “SINDICATOS DE RUAS”
Por Gustavo Pacheco
Passando quase desapercebido,
observamos um fenômeno não raro, mas de certa forma presente em alguns bairros
de subúrbios: "Os sindicatos de ruas".
São encontros ocasionais de pessoas, na maioria das vezes de homens, que de forma improvisada se organizam em algum canto de rua ou esquina para beber ou simplesmente conversar para compartilhar todo tipo de assunto como política, futebol, marcas de bebidas, inflação, bares novos que surgiram, histórias e dramas pessoais e profissionais. Mas com certeza, o que mais se conta são as piadas de toda natureza e mentiras.
Para quem transita na rua e em primeira
vista, pode ter uma pensamento de reação preconceituosa de achar que são “um
bando de beberrões ou alcoólatras (até pode ter), mas nem sempre é assim.
Em participar e pesquisar um desses
sindicatos em minha rua, pude testemunhar nas vidas de muitas pessoas, a
grandeza e a fragilidade humana, impulsionada por todo tipo de valores,
sentimentos, sonhos, aprendizados e exigências que o mundo pode nos oferecer.
Apesar de não haver uma regra
para participar, basicamente “precisa” ser morador ou nativo confiável da rua
ou do bairro. Que observa as modificações e ocorrências na comunidade e o
movimento de pessoas e suas curiosidades. Os novos moradores sempre são
convidados, outros que já migraram de outros sindicatos se aproximam com
desenvoltura e aqueles que as vezes são mais desconfiados ou tímidos passam cumprimentando
mas nunca se “associam”.
Os apelidos divertidos que podem
surgir entre seus “associados” são muito criativos e ajuda a identificar a
pessoa, que em muitas vezes nunca se decora o nome verdadeiro. Os encontros com
maior número de pessoas são frequentes aos sábados, não obstante, o encontro de
duas pessoas já é um ponto de partida. Escuta-se músicas variadas como MPB,
rock, cúmbia, forró, brega romântico ou total ausência delas.
No entanto, não vamos aqui
pautar o tema que pode ser explorado por diversas análises acadêmicas e psicossociais.
A abordagem que escolhemos foi para outro elemento importante nos sindicatos de
ruas que é a comida.
Não temos a pretensão de
oferecer perspectivas gastronômicas inovadoras em uma situação tão peculiar,
apesar das mesmas revelarem regionalismo e preferências caseiras, mas essa
necessidade faz surgir os tira-gostos ou petiscos, que podem ser simples e
ocasionais como um saquinho de amendoim, uma fruta, uma marmita de almoço com
poções generosas de carne, asinha de frango, toscanas, galeto empoeirado assado
na brasa ou, os mais elaborados e criativos como: os caldinhos, peixes fritos,
feijoadas, camarões. Os melhores são aqueles feito pelas pacientes e talentosas
esposas em que aqui carinhosamente lembramos e que também (nem todas) são
responsáveis pelo retorno domável de uns poucos dos nossos heróis para casa,
sempre por livre e espontânea pressão e delicadeza.
Mas são os homens na sua maioria
que improvisam e compram alguma comida. E de fato se percebe que nessas
condições, o ambiente se torna mais descontraído e divertido.
Esses encontros costumam iniciar
as 9 horas da manhã e termina em torno das 14 horas. Mas acontece de ir até ao
anoitecer quando tem algum aniversariante.
A chuva é o maior desafio para
os adeptos de sindicatos de rua, pois nem sempre tem abrigos disponíveis de emergência,
o mesmo para os sanitários, o que pode ser uma explicação razoável para a escassa
participação feminina.
Quando tudo acaba, fica apenas
alguns vestígios da presença de um ponto de sindicato de rua. Alguns mais conscientes,
procuram recolher o lixo e até varrerem. Mas nem sempre, infelizmente não é
assim.
Durante a semana, você anda pelo
bairro e vez ou outra alguém te reconhece e te acena. Nesses sindicatos, sempre
tem algum pedinte querendo moedas, cigarros, bebidas e até recolher as latinhas
de cerveja, não é por menos, eles estão na rua, no habitat deles. Mas também
acontece muita gentileza. Algumas pessoas perdidas procurando ruas ou pontos de
referências são atendidas, outros se acidentam caindo de bicicletas ou motos e
logo alguém já está ajudando a levantar. Muitas crianças que soltam a mão dos
pais e correm para o meio da rua são “salvas”. Alguns cachorros vez ou outra se
aproximam, nenhum dos presentes são seus donos, mas eles sabem que tem algum
petisco que caiu no chão. Relembra um pouco os imemoriáveis sindicatos da época
das cavernas quando os ancestrais caninos ou felinos que nos cercavam tinham
ideias nada originais de nos degustar.
Uma vez um transeunte homem, de aparência
humilde, na faixa dos 40 anos, teve um ataque súbito de epilepsia caindo no
chão. Havia passado um pouco mais de 30 metros do sindicato. Foi bonito de ver a
mobilização para socorrer o mesmo. Fazer sombra com um papelão para proteger do
sol, colocar ele de lado, jogar água fria na testa e toda sorte de
procedimentos de “primeiros socorros” que deixaria qualquer um surpreso. Em
meio aos burburinhos, o desavisado enfermo finalmente acorda com aquela
expressão de dúvida: Quem sou eu? Onde estou? Alguém num determinado momento
parou de fazer fotos com o celular e ligou para o serviço de emergência, mas
mesmo antes da ambulância do SAMU chegar, ele foi socorrido pelo irmão que
chegou com muita pressa e o levou dentro de um carro de mão em direção a
comunidade que eles moravam. IMAGENS 2023
Assista aqui
VEJA O EVENTO PROJETO GASTROSINDICATODERUA
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