O Ilustre Pernambucano
Moacir José dos Santos
Apresentação Luíz
Venerre – Município de Flores
“Cultura é arte do
povo” -
Município de Flores
Fonte Imagem da Rádio Batuta - Acesse o site aqui e saiba mais
Escute no youtube
Biografia
Moacir José dos Santos (Serra Talhada, Pernambuco,
1926 - Los Angeles, EUA, 2006). Compositor, arranjador, saxofonista, vocalista.
Ainda criança, aprende a tocar todos os instrumentos da Banda Marcial da cidade
de Flores, onde vive com uma família adotiva desde a morte da mãe, aos três
anos de idade. Aos quatorze, foge de casa e inicia uma andança de oito anos
pelo Nordeste, integrando orquestras de circo e bandas militares de diversas
cidades até ser contratado, em João Pessoa, pela jazz band da Rádio Tabajara,
da qual se torna regente em 1947. No ano seguinte, migra para o Rio de Janeiro
e passa a trabalhar como saxofonista em orquestra da Rádio Nacional. Em 1951,
torna-se arranjador da emissora, ao lado Radamés Gnattali, Leo Peracchi e Lyrio
Panicalli. Decide então aprofundar o estudo formal de música, frequentando o
curso de férias do maestro alemão Ernest Krenek, que o introduz na técnica
dodecafônica. Prossegue os estudos de música erudita com Hans-Joachim Koellreuter (1915-2005), de quem se torna assistente, Claudio Santoro (1919-1989) e Cesar Guerra-Peixe (1914-1993). Permanece na Rádio Nacional até 1967, com breve
intervalo entre 1954 e 1956, período em que rege a orquestra da TV Record de
São Paulo.
No final dos anos 1950 e início dos 1960, desenvolve
intensa atividade docente, figurando entre seus alunos Baden Powell (1937-2000), João Donato (1934), Paulo Moura, Sérgio Mendes, Nara Leão, Eumir
Deodato, Carlos Lyra e Roberto Menescal. Em 1963, assina os arranjos dos discos
Elizeth interpreta Vinicius, Vinicius e Odete Lara e Baden
Powell swings with Jimmy Pratt, nos quais figura ainda como compositor. No
ano seguinte, sua Nanã, parceria com Mário Telles, é gravada por Nara
Leão em seu disco de estreia. Também tem composições gravadas nos álbuns
Você Ainda não Ouviu Nada (1963), de Sérgio Mendes, e Edison Machado
É Samba Novo (1964). Em 1964, grava cantando pela primeira vez o Samba
do Carioca, na trilha da peça Pobre Menina Rica, de Carlos Lyra e
Vinícius de Moraes. Compõe a trilha de filmes nacionais e estrangeiros, entre
eles Ganga Zumba (Cacá Diegues, 1964), Os fuzis (Ruy Guerra,
1964) e Amor no Pacífico (Zygmunt Sulistrowski, 1970), cuja pré-estreia,
em 1966, o leva pela primeira vez aos EUA. Parte dessas trilhas integra seu
primeiro disco-solo, Coisas, lançado em 1965 pelo selo Forma.
Em 1967, migra para os Estados Unidos, onde
continua a exercer atividade docente e a compor trilhas para cinema,
trabalhando como ghost writer nas equipes de Henry Mancini e Lalo
Schifrin. A carreira como solista e compositor só deslancha em 1971, quando Nanã
é gravada pelo pianista Gil Evans no disco Where Flamingos Fly. No ano
seguinte, lança o álbum Maestro, indicado ao Grammy, ao qual se seguem Saudade
(1974) e Carnival of the Spirits (1975), todos pela conceituada Blue
Note Records. Seu último álbum gravado nos EUA, Opus 3 n° 1 (Discovery
Records), é de 1981. Compõe ainda a trilha dos filmes África Erótica (Zygmunt
Sulistrowski, 1970) e Final Justice (Greydon Clark, 1985).
A partir de 1985, quando é homenageado no 1º Free
Jazz Festival, visita o Brasil, onde recebe vários tributos. Em 2001,
os músicos e produtores Zé Nogueira e Mario Adnet regravam parte de sua obra no
CD duplo Ouro Negro, com participações de Milton Nascimento, João Bosco,
Ed Motta, Gilberto Gil. Eles também são responsáveis pelo relançamento em CD de
Coisas (2004) e pela gravação de Choros e Alegrias (2005), com
músicas inéditas do compositor, além de três songbooks. Em 2006, Muiza Adnet
grava As canções de Moacir Santos, com vocal do compositor em algumas
faixas.
Entre seus parceiros, destacam-se Vinícius de
Moraes (Mulher carioca, Menino travesso, Triste de quem e Se
você disser que sim), Nei Lopes (Maracatu, Nação do Amor , Oduduá,
Orfeu e Sou eu) e Geraldo Vandré (Dia de festa).
Análise
A exemplo de outros maestros do rádio, como Radamés
Gnattali e Lyrio Panicalli, Moacir Santos produz uma obra na fronteira entre a
música popular e a erudita. Obrigado a dominar os diferentes estilos
orquestrais em voga nos anos 1940 e 1950, do jazz ao folclorismo sinfônico,
passando por ritmos latinos como a rumba e o merengue e por gêneros brasileiros
como o samba, a marcha e o choro, ele desenvolve um estilo eclético. Tamanha
versatilidade, reverenciada por Vinícius de Moraes em seu Samba da bênção ("A
bênção, Moacir Santos, tu que não és um só, és tantos"), transparece tanto
em seus arranjos como em suas composições, áreas que se confundem em sua obra.
Após duas décadas de profícua atuação como
orquestrador e maestro, Santos vê seu campo de trabalho diminuir sensivelmente
na segunda metade dos anos 1960, quando o desaparecimento das orquestras de
rádio e TV, somado a valorização da canção com letras de cunho político na cena
musical brasileira pós-1964, reduz o espaço para a música instrumental no país.
Nesse contexto, ele integra o grupo de músicos que, ligados à Bossa Nova ou ao samba-jazz
(gêneros considerados "alienantes" num meio musical fortemente
politizado), seguem carreira na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos,
como Naná Vasconcelos, Baden Powell, Sérgio Mendes, João Donato, Airto Moreira
e a cantora Flora Purim.
Gravado num momento em que o compositor já atingira
a maturidade, o álbum Coisas (1965), considerado um marco na música
instrumental brasileira, sintetiza as principais características da obra de
Moacir Santos. A começar pela valorização da cultura negra, perceptível tanto
na atenção dispensada pelo compositor à percussão, com a incorporação de
instrumentos pouco usuais (como berimbau, kalimba, atabaque, agogô e afoxé),
como na invenção de uma base rítmica original, ligada a matrizes africanas.
Nesse sentido, o uso de deslocamentos rítmicos e métricos, hemíolas1
e polirritmias2 constitui um gesto deliberado para que sua
música "soe negra", efeito igualmente obtido no plano
melódico-harmônico por meio do emprego de escalas modais e da ambiguidade no
uso das terças - ora maiores, ora menores3. Vale destacar que, ao
"africanizar" a música brasileira, Santos age em sintonia com
iniciativas semelhantes ocorridas na época: no mesmo ano do lançamento de Coisas,
Elizeth Cardoso grava um disco só com sambas de morro (Elizeth sobe o morro),
pondo em evidência a negritude da música brasileira; no ano anterior, são
lançados Samba Esquema Novo, de Jorge Ben, e Tem "Algo
Mais", de Wilson Simonal, e Hermínio Bello de Carvalho revela
Clementina de Jesus, com seu repertório repleto de cantos de escravos e pontos
de macumba; no ano seguinte, Baden Powell e Vinícius de Moraes gravam seus Afro-sambas,
inspirados no candomblé e na capoeira. Vinícius de Moraes, aliás, é um dos
precursores da valorização musical da cultura afro-brasileira, ao conceber, em
1956, a "tragédia negra carioca" Orfeu da Conceição.
Além da valorização da cultura afro-brasileira, a
obra de Moacir Santos se caracteriza ainda por certo hibridismo, em que
ritmos regionais cariocas ou nordestinos (como o samba, o xaxado, o coco, o
baião e o maracatu) são reelaborados de maneira singular, por meio de levadas
oriundas do jazz, dos gêneros latino-americanos e da música de concerto
brasileira ou internacional. Embora Coisas seja comumente classificado
como um álbum de samba-jazz, suas músicas dificilmente se enquadram nesse
gênero, pois não seguem sua estrutura padrão - tema(s)-improviso-tema(s) - nem
se atêm a seus cânones rítmicos (também chamados de "levadas").
Segundo Zuza Homem de Mello, o disco "não se encaixa em nenhum estilo da
música popular brasileira de sua época"4, dialogando com
diferentes tradições.
Nesse sentido, é preciso destacar ainda a presença
de certo "eruditismo" no disco, reflexo do anseio de Moacir Santos em
produzir música de concerto. O próprio nome dado às suas composições, Coisas,
bem como sua numeração de 1 a 10, é um "correspondente brasileiro, popular
e negro"5 do índice catalográfico opus, usado na
música erudita europeia. Ao empregar esse termo, o autor entende suas
composições não como temas ou melodias que podem ser reelaborados e
rearranjados (a exemplo do que ocorre comumente na música popular), mas como
obras acabadas. Outro elemento erudito do disco é a anotação rigorosa, por meio
da grafia musical tradicional, das partes da seção rítmica (piano, bateria,
baixo, guitarra), que trazem levadas originais - prática incomum nos conjuntos
de música brasileira, que geralmente improvisam sobre levadas conhecidas.
Nos discos seguintes, as características
composicionais de Coisas são mantidas, mas Moacir Santos dá novos saltos
como orquestrador. Enquanto no primeiro disco prevalece a formação tradicional
de big band, as inovações restringindo-se à seção de percussão, em Maestro
a instrumentação se diversifica, com o uso do contrabaixo elétrico, do piano
elétrico e do órgão. Além de tocar saxofone barítono em duas faixas do disco,
Moacir assume os vocais em outras cinco, realizando vocalizes que se destacam
do conjunto instrumental. A influência do jazz norte-americano, especialmente
em sua vertente fusion, também se faz mais presente, com uma abertura
maior para os improvisos. Em The mirror's mirror, por exemplo, faixa que
encerra o disco, contrabaixo, piano elétrico e trombone improvisam livremente
sobre uma base percussiva. Essas características, que também se notam em Saudade,
Canrinal of the spirits e Opus 3 n° 1, revelam a maior
aproximação de Moacir Santos com o jazz, mas sem afastar-se de suas raízes
brasileiras.
Fonte:
José Fernando de Andrade
Curador e Diretor do
Instituto Cultural Moacir Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário