Entrevista concedida em 06/03/2019 ao
Blog Atrativo Pernambuco, inaugurando a série: “Longe da Terrinha”, com a psicóloga
e escritora Rose Britto:
Em que ano você chegou em Rondônia e
como foi a experiência e os primeiros sentimentos longe de Pernambuco?
Eu vim para
Rondônia em 1994. É tudo diferente, de repente é como se eu tivesse ido dormir
em casa, na minha casa, tudo organizadinho, com meu filho bebê de dois aninhos
e, um belo dia, acordei na “China” ou na “Coreia”. Eu olhei em volta, a
alimentação era diferente, as pessoas eram diferentes, os costumes eram
diferentes, eu e ele pegamos logo uma alergia imensa, então assim, tirar você
de um mundo, literalmente o que a gente faz com uma planta, arranca ela do
estado natural e põe num vaso ou em outro local. Até a gente entender onde está
e se adaptar é bem complicado. O sentimento que pega é o medo, mas assim, a
gente tem que lembrar que decidiu vir para cá por uma outra circunstância, por
algum motivo forte, então a gente se agarra a esse motivo forte. Hoje são 30
anos, o filho bebê está com 29 e vai fazer 30 no final do ano, então, tem uma
história, eles são mais rondonienses e rondonianos do que pernambucanos. Mas
eles não perdem alguns costumes, que são a matriz né? É o cuscuz, é a comida, é
a referência, é o sotaque que eles se acostumam, o meu sotaque que é pesado,
nesses 30 anos eu não perdi, não está tão forte, mas também não perdi.
Nem sempre temos a oportunidade de
conhecer outras cidades nos estados ou países em que vamos morar,
características culturais e naturais. No seu caso, você conseguiu ampliar esses
conhecimentos?
Eu já morei
em muitos municípios aqui, cada um com suas características. Mas hoje, com o
trabalho que estou desenvolvendo, viajo para todos os municípios e que me dar
outras referências, é muito legal, é muito diferente. Eu estou gostando.
Como se desenvolve a sua atividade
profissional atualmente e como te ajuda a conhecer melhor Rondônia?
Atualmente
nesse último um ano e meio, estou trabalhando na Agevisa – Agência de
Vigilância Sanitária de Rondônia, onde sou responsável pela vigilância do câncer
no estado. Esse setor, essa coordenação, ela se divide em dois: o registro
hospitalar de câncer, que são as unidades que cuidam de pacientes com câncer e
a implementação de registros de câncer de base populacional, que não existia no
estado, e que no ano passado começou a ser implementado nos 52 municípios.
Então cabe a mim, ir em cada município, conversar com os gestores, identificar
uma pessoa, capacitar essa pessoa, treinar essa pessoa, para a gente fazer o
mapeamento do câncer, município por município, até ter todos os dados. A gente
trabalha em parceria direto com o Inca e Ministério da Saúde, e basicamente é monitoramento,
vigilância, coleta de dados epidemiológicos, que servem para pesquisas e outras
coisas. E não trabalhamos sozinhos, a vigilância do câncer trabalha em parceria
com a vigilância ambiental, com as questões de rios e águas que é muito forte, e
a questão do mercúrio que provoca câncer. Então, a gente trabalha em vários
ramos e parcerias com tantas outras instituições. O meu foco é câncer, o
monitoramento e os dados que advém dessas informações. A gente vai trabalhando
em grupo com o demais para ajudar a sociedade. Trabalha-se bem no campo, de
município por município, com as equipes, treinando, levantando dados, buscando outras fontes de notificações e, claro, se estou conhecendo esses municípios fico
conhecendo as características de cada um. Por exemplo, existe um município aqui, que há muito a questão de câncer de pele, Espigão, mas lá tem assim, uma comunidade
pomerano que veio do Rio Grande do Sul e se instalou aqui. Já em Guajará-mirim,
a gente tem uma comunidade de japoneses que é o Iata, então assim, são características
diferentes de um estado que foi povoado por praticamente o país todo. A
história de Rondônia é muito rica, por exemplo, a construção da estrada de
ferro, é falar um pouco de história, pois veio gente de todo o mundo
praticamente, então aqui no estado foi instalado vários grupos, vários guetos
de outros países, tem povos de muitas nações. Com o trabalho de ir nos
municípios, nesse momento estamos na época das águas, os rios estão cheios,
terei que ir em dois municípios que estão ilhados, já subiram a ponte em mais
de meio metro. Estamos com o receio de ir e ficarmos presos. Três semanas atrás descemos
a BR no num local próximo no sentido para Ariquemes, na volta, fomos o último
carro a passar, pois logo que a gente saiu, a BR se desmanchou, virou uma
cratera e ficamos quatro dias ilhados. No ano que cheguei aqui, eu fui morar num
local que hoje é uma cidade, na época era um patrimônio, e lá tinha muito gaúcho,
então, a primeira coisa que eu estranhei foi chamar meu filho de piá. “Piá não!
Ele não é cheira cola de rua!” (risos), então tive essa dificuldade com a
linguagem no começo. Depois, vi que o pessoal gaúcho come muita carne e eu
nunca fui muito fã de carne. Já tive outra dificuldade, eles tem o costume de
fazer muita massa, muito macarrão e que também eu não era muito chegada. São os
costumes mesmos, os que a gente tem que se adaptar. Tudo isso sem contar, o fato
que eu tinha que procurar as coisas que eu gostava de comer e, tive que adaptar
a mim e meu filho, que era menorzinho, pequenininho, um ano para dois aninhos.
A medida que vai passando o tempo fui aceitando e incorporando. Hoje por exemplo
a gente toma chimarrão numa boa, somos nordestinos que bebemos chimarrão e
gosto. (risos). Outra coisa que é muito engraçado aqui, a gente come muito
peixe, que característico da região, peixe frito, quicado como eles chamam,
que é para quebrar as espinhas. Para o nordestino é menos né? É mais frutos do
mar. Também quando aparece frutos do mar aqui é uma delícia, pois vem de longe
e congelado. O sururu chega aqui cheio de areia, é bem complicado, o camarão só
vem salgado, não vem in natura e quando chega é raro. Às vezes aparece caranguejo
vivo e os bichinhos estão mais murchos do que tudo e é um trabalho muito grande
para engodar eles para poder depois matar. Eu gosto muito de verduras e legumes,
não posso afirmar que sou 100% vegetariana, vamos dizer que eu chegue aos 95%.
Nos municípios à noite, prevalecem muito os sanduíches e hambúrgueres. Restaurante
não abre à noite, e isso é bem complicado pois eu tenho que almoçar e separar
um marmitex, senão não tenho janta, a menos que eu queira comer pão e pizza, que
não faz parte do meu cardápio. Um município que já morei quatro anos, que faz
divisa com a Bolívia, com Guayara e por ter vivido lá, a gente não achava muita
diferença entre nós e os bolivianos. Muitas comidas típicas como por exemplo, a
saltenha e outros, incorporamos a nossa alimentação. Tem alguns
costumes, como comer tacacá com pipoca (risos), eu ainda não aderi esse hábito,
pois gosto do tacacá puro. Aqui a gente vai ficando meu eclético e vai juntando
as coisas. E fica mais divertido quando você olha para os filhos e ver que isso
é natural, é tranquilo. Isso também reflete na cultura, por exemplo, os
bolivianos são muito fechados e desconfiados e como a gente ficou um tempo por
lá, tenho um dos meus filhos que é mais desconfiadinho, mais cabreiro e coisa e
tal, o outro é mais extrovertido. Com relação aos laços de amizade, são coisas
muito fortes. Os que a gente faz na infância são mais duradouros, é tranquilo e
natural. Os laços posteriores, na faculdade e no trabalho, fora da sua cultura é
mais complicado, tem muita gente que admiro e somos próximos, mas não é igual.
Quando estou no sufoco ou quando estou triste, eu ainda recorro a minha
terrinha, aos meus amigos de infância, a minha turma que é o Nordeste, que é o
Pernambuco. São eles que na hora que vejo que está tudo escuro, são eles que me
dão luz, que me dão forças. Interessante que percebo aqui outras pessoas,
colegas gaúchas que quando também estão no sufoco, ligam para terra delas atrás
dos amigos, outros chegam a pegar barco ou o avião e vão embora, somem.
(risos). As nossas bases e nossas raízes são muito fortes, são elas que nos
sustentam. Meus filhos que já estão aqui há muitos anos, um nasceu aqui e outro
veio de Pernambuco, para eles, quando não estão legais, eles correm atrás dos
amigos de infância também, e os amigos de infância são aqueles laços que eles
fizeram por aqui mesmo.
Em relação aos livros e novos projetos?
Eu continuo
escrevendo. Tenho um publicado, dois estão registrados, outros prontos para
revisões. Infelizmente no mundo das letras a gente não tem muito incentivo ou
apoio, o custo de uma gráfica é alto. Isso desestimula um pouco, mas sempre
estou procurando uma oportunidade, se aparecer, publicarei mais alguns, de uma
forma mais tranquila, mais leve. Se é para plantar uma árvore, parir um filho e
escrever um livro, então já cumpri minhas missões (risos).
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