Fonte: Internet
Três adolescentes de férias no povoado de Buscaú
Apesar
do título parecer uma narrativa de um livro, o fato aconteceu no início dos
anos 80. Nessa aventura, eu estava na companhia de um primo e um grande amigo.
Tudo começa quando eu relato minha experiência
de conhecer o povoado de Buscaú, que existia numa região canavieira do
município de Moreno, distante 28 km do Recife, capital do Estado de Pernambuco.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Moreno
Meus
amigos ficaram curiosos com as histórias de banho de cachoeira, passeios pelos
canaviais e pelas serras, encontros com raposas e as caçadas de tatus nas
noites de lua com a lendária comadre florzinha à espreita dos desavisados.
A maioria
nunca havia tido experiência com essas realidades de regiões de interior, e
sim, com as facilidades e as muitas opções de diversões, uma vez que moramos
perto da praia. Vez ou outra fazíamos alguns acampamentos para sair da zona de
conforto e alimentar a nossa sede de aventura adolescente.
Não
demorou para o assunto Buscaú retornar a nossa roda de conversas e de tanto
falar, começou as lembranças de outros detalhes e situações que cada vez mais
atiçava minha vontade de retornar e do meu primo e amigo de conhecer. Estávamos
no período de férias escolares e isso por si só seria um grande motivador de
compartilharmos com nossos colegas da escola no retorno das aulas. Tomamos a
decisão de ir para esse lugar, e eu seria um tipo de guia não qualificado para
tal finalidade.
A
viagem
Antiga Rodoviária no Cais de Santa Rita – Recife
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Moreno
Não
lembro o destino do ônibus que pegamos, o importante é que ele deveria seguir
pela BR-232, no sentido da Serra das Russas. Chegando no município de Moreno,
paramos no distrito de Bonança (Antiga Tapera), por volta das 8:30h.
Distrito de Bonança – Moreno
Fonte: https://morenoredescoberto.blogspot.com/2023/09/historia-de-bonanca-antiga-tapera.html
Meus dois primos adultos faziam transporte
alternativo conduzindo pessoas em carrocerias abertas de caminhões. Tinha uma
estrada não pavimentada que seguia para sul. Se não me falha a memória, os
destinos eram o povoado de Massaranduba e Buscaú. Minha esperança era
encontrá-los, curtir a paisagem e chegar em segurança na casa deles.
Ficamos um tempo tentando localizar eles e
também encontrar outra condução, mas, não tivemos sucesso. Um dos meus primos
moravam em Bonança, mas ninguém que perguntamos sabia informa onde moravam. Um
senhor percebeu a minha ansiedade por um transporte para Buscaú. Disse que
conhecia meus primos e que só teria no fim da tarde. Os primos faziam duas
viagens cada um pela manhã e à tarde. Se fosse atualmente não faltariam os
transportes por aplicativos ou mototáxi. Os habitantes dos povoados, moradores
e trabalhadores dos engenhos, praticamente só tinham essa opção de transporte.
Nos fins de semana, principalmente em dia de feira ou eventos no distrito, o
movimento aumenta. Ainda era comum ver montaria a cavalo e algumas motos eram
vistas.
Feira livre de Bonança – Moreno
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=w0h4S-DC8Po
A situação ficou difícil. Tínhamos as
opções de voltar para casa, esperar até o fim da tarde pelo primo ou seguir
andando pela estrada de barro, e com sorte, conseguir uma carona e chegar antes
do anoitecer. Se era uma aventura e sabíamos o por onde ir, decidimos a
terceira opção. Nos primeiros minutos de caminhada, sempre que passava alguém,
perguntava se aquele era o caminho para Buscaú. As pessoas confirmavam, mas
também enfatizavam que era bem longe para ir a pé. Um das informações nos deu
mais ânimos: “Siga a vida toda e no fim pegue a esquerda! Mas é longe viu!”.
Perguntei ao nosso simpático samaritano o quanto era distante, mas, não ajudou
muito por que ele disse em léguas. Nenhum de nós sabia converter em
quilômetros. Posteriormente descobrimos que seria em torno de 10 km e que
naquele momento a nossa ignorância a respeito disso se tornou uma benção. É
curioso como pessoas do meio rural do interior se referem as distâncias em
léguas, mas tenho dúvidas das referências das mesmas. Tenho a impressão que
elas obedecem um padrão regional. No caminho a gente comentou se alguém
lembrava da aula sobre léguas. Mesmo assim resolvemos acelerar os passos.
Saímos de Bonança perto das 10 h e
entorno do meio-dia, nossa caminhada perde o ritmo. Não aceleramos muito por
que percebemos que colocamos muitas coisas desnecessárias nas mochilas. A fome
chegou e fizemos uma pausa para um lanche. No cardápio, a dieta adolescente,
doces e salgados. Não pensamos nesse detalhe de reforçar a comida e água que em
pouco tempo acabaram. Meu amigo disse que tinha um cantil grande extra e
economizando daria para molhar a garganta. Mas na noite anterior a viagem havia
lavado com detergente e a água pegou o gosto fazendo nossas bocas espumarem.
Renovados, continuamos a jornada nos distraindo com a bucólica e um pouco
cansativa paisagem canavieira que nessa época estava com as folhagens altas e
no meu entender, pronta para a queima e colheita.
O sol quente e ausência de árvores para
fornecer sombra, a caminhada ficou mais difícil ainda. Em nenhum momento passou
um carro para pedir carona. Conseguimos cortar um talo de cana-de-açúcar, mas
era dura para extrair o sumo com os dentes. A sede e a fome se juntou ao grupo.
O relógio não cansava e mostrava 14h e alguns minutos. Os empoeirados
aventureiros olhavam para o sol que já estava no seu próprio caminho de se pôr.
A gente tinha o costume de acampar na praia, mas no chão barrento dos canaviais
seria um desafio. Até acender uma fogueira seria um risco de incendiar a
plantação.
Finalmente
chegamos no “fim” da estrada e na esperada bifurcação e fizemos o que foi
orientado, siga para direita e assim o fizemos. Os passos aceleraram, estávamos
no caminho certo. Eu havia dito que se não encontrarmos o povoado, pegando à
direita nos levaria para Massaranduba, assim, não dormiríamos no canavial. Ao
longe escutamos o som de motor de carro vindo desse outro lugar. Com mais 20
minutos de caminhada comecei a reconhecer um pouco o caminho, já surgia poucas
árvores que tinha sombras, mas nenhum sinal do povoado. Meu amigo perguntou se
eu tinha certeza que era ali lugar. Eu respondi que deveria, sim, exceto se a
cidade tivesse sumido. Deitamos as mochilas e relaxamos na sombra da árvore. Ao
olhar com atenção, reconheci que era um pé de cajarana. Eu tinha uma no quintal
de minha casa. Seu tronco é crespo com lascas de cascas duras que facilita a
subida. Foi o que fiz. Não precisou ir muito alto, achar o povoado de Buscaú
“submersa” entre canaviais. O que me causou confusão é que na primeira vez que
fui a plantação já havia sido colhida. A alegria foi grande e o alívio maior
ainda. Sem perder tempo saímos da estrada e fomos pelo atalho no mar de
canavial e saímos bem na entrada principal do nosso pequeno “El dourado”.
O
povoado de Buscaú
Cada vez que eu me aproximava, focava no rosto e
nas feições e confirmei que era meu tio. Adiantei os passos além do primo e
amigo em direção a ele com um sorriso no rosto e ele correspondeu apesar de não
me ter reconhecido de imediato. Na primeira vez que estive em Buscaú ele não
estava lá, foi visitar sua mãe (minha vó) em Jaboatão dos Guararapes que faz parte da
Região Metropolitana do Recife. Fazia muitos anos que ele não me via, quando o
chamei de tio e disse que era filho de Dona Maria e Seu Pacheco ele abriu os
braços e veio em minha direção. Comentou que não havia me reconhecido e que
estava muito bem. Apresentei o meu primo que era sobrinho do meu pai e o nosso
melhor amigo que morava na mesma rua. Ele perguntou como havíamos chegado lá e
revelamos a nossa jornada, lhe causando espanto a nossa disposição. Claro que
ele não deixaria de perguntar se nossos pais sabiam disso, o que confirmamos
com um sincero sim. O tio perguntou se eu ainda lembrava onde era casa e da
venda, respondi que sabia, era praticamente impossível de não encontrar. Ele
disse que tinha que resolver umas coisas e que depois iria para casa e que meu
primo “rural” estaria na venda.
Seguimos
pela única rua do povoado, que se muito tivesse era uns 150 metros. As casas
pareciam ter décadas de construídas e a ausência de manutenção de suas fachadas
as tornavam com o aspecto ainda mais antigo. Não observamos acúmulos de lixo na
rua, apesar de que alguns resíduos pareciam surgir com o vento. As pessoas
olhavam para nós com atenção, algumas nos cumprimentavam e outras respondiam os
nossos. Tinha alguns cavalos selados com as rédeas amarradas perto das casas.
Meu amigo disse o mesmo que eu havia falado na primeira vez que lembrava um
cenário de filmes de faroeste. O povoado foi construído para dar suporte as
famílias que trabalhavam no plantio e colheita da cana-de-açúcar.
Meu
primo perguntou se havia lanchonete. Respondi dizendo que o que mais se
aproximava era a bodega do meu tio, que os locais chamam de venda. De tudo um
pouco tinha, principalmente mais o básico como grãos, açúcar, café, farinha,
óleo, manteiga, margarina, carne de charque, temperos, embutidos, querosene
para as lamparinas, velas, fósforos, cordas, fumo de rolo e tantos outros
itens. Acredito que deveria ter outros serviços no povoado que não fosse ligado
a minha família e sou sincero em reconhecer que não me lembro. Esse lado materno
de minha família tem muitas vivências com o meio rural, não obstante, com o
tempo e necessidades migraram para os centros metropolitanos. A família de
Buscaú que encontrei nessa época estava bem adaptada em prestar serviços com
transporte alternativo de passageiros e abastecimento de mantimentos. Acredito
que essa deveria ter sido a motivação deles empreenderem num lugar onde era bem
carente desses serviços.
Segundo
minha mãe, meu tio completou seus estudos médios no Recife e chegou a estudar
música. Um homem culto e líder espiritual que participava dos problemas da
comunidade com a sua calma, paciência e senso de humor discreto e acolhedor.
Mas o
que eu estava mais interessado era dar um susto no meu primo rural que ficaria
eufórico com a nossa presença. E foi exatamente o que aconteceu. A venda ficava
ao lado da casa e tinha um acesso à mesma por dentro. Minha tia tomou um rápido
susto, mas logo ficou bem. Na verdade, não foi a nossa chegada em si, foi saber
que viemos andando desde Tapera (ainda tinha pessoas que se referia ao antigo
nome). Meu primo rural disse que não era perigoso, que era longe, mas que ele
mesmo já fez essa caminhada várias vezes. Ativo como ele era, imaginei que
deveria ter ido correndo.
Meu tio
ainda não havia retornado da igreja, depois eu soube que foi resolver algo
importante em Massaranduba e deixou a gente aos cuidados da tia e do filho
caçula. Ela perguntou se queríamos tomar um banho antes de comer. Decidimos
apenas lavar as mãos e o rosto numa água fria que pegamos de uma jarra, pois a
fome “falou” mais alto. O primo rural reforçou a decisão avisando que depois
que encher o bucho iria dar um passeio no povoado antes de escurecer de uma
vez. Por conta da queima da cana-de-açúcar, o vilarejo não possuía energia
elétrica, tudo se ilumina no gás do candeeiro, lamparina e velas. Ninguém tinha
geladeira e tudo que se cozinha é consumido no mesmo dia e o que sobrava
alimentava as galinhas.
A
gastronomia local
Ao redor
de uma mesa quadrada de madeira e forrada com uma toalha estampada, minha tia
colocou
copos, talheres e pratos com a boca virados para cima. No canto da cozinha
tinha um forno à lenha e sob ele, uma chaleira com água quente. Ela colocou
farinha de mandioca nos pratos e saiu sem nada dizer. O primo rural ficou
sozinho ajudando na bodega e que já havia pessoas curiosas querendo saber quem
éramos. Na cozinha eu já sabia o que a minha tia iria fazer com a farinha, mas
meu primo e amigo não. Eles olhavam um pouco desolados para o prato cheio de
farinha e já espreitando uma garrafa com água próxima se entreolharam com um
sorriso discreto achando que o jantar seria apenas o que viam. Mesmo sabendo
que não seria assim, me divertir mantendo o suspense e, com a fome que eles
estavam aquela comida parecia uma pizza grande.
Em silêncio, começaram a comer a farinha
devagar, sujando a boca e bebendo água. Minha tia chegou e quando viu aquela
cena quase se desesperou testemunhando o grau de fome desses pobres rapazes.
Imediatamente, ela derramou água quente sob a farinha e fez uma farofa de
bolinho, acompanhada de vinagrete, pedaços de charque assada com bordas
deliciosamente gordurosas e generosas fatias de mortadela. Minha tia se
divertia com a educada fúria mastigatória. Eu disse que era a primeira vez eles
viajam para o interior e que nunca comeram aquela iguaria. A minha tinha
protegendo o sorriso com a mão só balançava a cabeça concordando. Ainda lembro
da satisfação e felicidade daquele jantar.
Tinha um gato doméstico jovem e bem manso
rodeando nossas pernas, que decidiu subir sob a mesa. Minha tia perguntou já
tínhamos visto um gato comer tomates. Ela colocou um bem maduro e ofereceu ao
animal que comeu com tanto gosto como se fosse uma suculenta picanha.
Assistimos espantados a cena e lembrei de um dito popular que diz: “Gato com
fome chupa até laranja”, que não era o caso do gato da minha tia, que julgar
pela sua apreciação vegetariana, estava gordo e com saúde.
O meu
primo rural havia fechado a bodega e veio rápido nos ver, tinha em mente uma
lista de perguntas e isso me confirmou a hereditariedade com a minha amada mãe.
Apesar do meu tio possuir um tom de pele mais morena e comum do povo da zona
rural, a minha tia parecia uma holandesa. Essas características genéticas
também foram passadas para os filhos. Meus primos e primas se destacavam com
seus tons de pele avermelhados, cabelos ruivos e olhos azuis.
O sol
estava se pondo quando decidimos caminhar na rua, que apesar de ser de barro
batido era limpa. O estilo das casas conjugadas, típicas dessas regiões e
julgar pelas suas aparências de poucas ou nenhuma conservação, deveriam ter
muitas décadas. Ficamos um bom tempo observando o movimento das pessoas aos
poucos diminuindo enquanto os sons e os bichos da noite apareciam e vocalizavam.
Num
lugar pequeno como aquele, qualquer evento fora da rotina comum era novidade e
a chegada dos parentes do pastor que vieram do Recife era o assunto em pauta.
Retornamos para a casa do tio. Lembramos que ainda não havíamos tomado um banho
para recarregar as forças e tirar toda aquela poeira do corpo. Meu tio ainda
não havia chegado e minha tia disse que ele foi até Massaranduba. Atencioso
como ele era, penso que foi ligar para a minha família avisando que estávamos
bem. Meu amigo precisava ir ao banheiro e meu primo rural indicou o quartinho
do “cagador” Ficaram surpresos em ver pela primeira vez uma legítima privada de
chão. A peça tinha um buraco em forma de funil e nas laterais umas saliências
indicando onde colocar os pés e descer em cócoras e atender as necessidades
fisiológicas. No momento do banho, próximo à área serviço, havia um depósito de
água muito fria. Meu primo, que era acostumado a tomar banho quente de chuveiro
elétrico, já se arrepiava e a noite começava a esfriar mais.
Já o primo rural muito ativo e espirituoso e
percebendo a situação e tomou a frente. Com uma cuia começou a jogar água na
cabeça e pular rápido para espantar o frio. Foi uma experiência difícil, mas
que se tornou divertido nos outros dias. Meu tio e primo mais velho haviam
chegado. Não estávamos com fome, mas a minha tia insistiu que a gente comesse pelo
menos umas broas de milho com café. O meu primo rural mais uma vez mostrou como
se faz.
Meu
primo rural mais velho ficou impressionado também pelo percurso que fizemos
andando até Buscaú. Mas o que todos estavam esperando eram notícias da família.
As três camas disponíveis foram cedidas pelos primos que dormiram numa rede na
varanda. Mesmo cansados, demorou um pouco pegar no sono, pois havia uma pequena
revoada de morcegos que entrava pelas frestas do telhado. No dia seguinte, já
descansados e depois de um reforçado café da manhã, fomos para a varanda da
casa. Encontramos o primo adulto que começou a fazer perguntas sobre nossas
vidas pessoais e testar nossos conhecimentos escolares, estudos, projetos de
vida até chegar ao seu objetivo e especialidade que era a parte
religiosa. Preparou, sem nenhuma sutileza, terreno para demonstrar seus
conhecimentos bíblicos e nos convencer dessa fé nos convertendo ou plantando a
semente para tal propósito. Já meu tio, tia e os demais primos nem no assunto
tocavam. Conseguimos escapar um pouco das suas saudáveis intensões nos declarando
cristãos católicos desde criança, orientado por nossos pais.
O primo
mais velho arqueou as sobrancelhas, deixando notar os olhos azuis e o rosto
avermelhado pelo meu comentário inesperado. Bom, ele citou alguns salmos da
bíblia, debulhando capítulos e versículos com tanta veemência que nos sentimos
estar esconjurados. Meu primo rural caçula nos salvou com outra conversa
paralela sobre a gente ir de noite caçar tatu e isso chamou nossa atenção. Mas
astuto como uma raposa, o primo adulto fez outro convite para aquela noite; ir
assistir um culto no povoado vizinho de Massaranduba. O caçula adorou a ideia,
uma vez que, teria uma festa na rua principal, com parque de diversões e muitas
barracas de comida e por que não, garotas bonitas típicas. O irmão mais velho
olhou com a pupila fixa para o irmão caçula e depois olhou para nós. Aceitei o
convite sem deixar transparecer a nossa verdadeira motivação esperando sair
daquela bolha, mas o primo mais velho pareceu não acreditar, tinha seus planos.
Os nossos planos seria passar no máximo 3 dias e então não havia tempo para
descanso.
Pedi ao
primo rural para levar a gente num passeio por perto, avisando que a nossa cota
de caminhada havia chegado no limite. Infelizmente essa indisposição nossa
impediu de conhecer mais atrativos na região, não confiávamos mais nas tais
léguas. O primo rural, e por efeito de não confundir mais o leitor passo a
chamar de caçula, nos guiou bem por trilhas fáceis, passamos por alguns sítios,
barrancos e claro: cana-de-açúcar. Mas valeu a pena quando chegamos numa
pequena cachoeira protegida por uma mata de capoeira baixa e ladeada de rochas.
Segundo meu amigo e primo, foi a primeira cachoeira que tinham vistos e seria
perfeita se a água fosse quente. Para mim a cachoeira parecia mais uma bica
natural. Lá mesmo fizemos um lanche e depois seguimos o passeio. De muito
longe, digo a jugar pelas poucas léguas na conta do primo caçula, avistamos
muitos lajedos, morros com afloramentos rochosos incríveis e outros tão altos
que se haviam instalados antenas gigantes da Embratel.
Fonte: https://morenoredescoberto.blogspot.com/2014/02/o-ponto-mais-alto-do-municipio-do-moreno.html
Fonte: https://morenoredescoberto.blogspot.com/2014/02/o-ponto-mais-alto-do-municipio-do-moreno.htm
Retornamos para casa bem na hora do almoço e encontramos uma deliciosa
galinha de capoeira guisada, acompanhada de feijão-de-corda, arroz, cuscuz e
salada verde. Dessa vez, fomos nós que demonstramos ao primo caçula os
comensais que davam orgulho a nossas mães. Saímos da cozinha rindo nos achando
mulheres grávidas e nos arrastando até a varanda para um cochilo longo,
apreciando a brisa e o canto dos muitos pássaros por nós desconhecidos. Não
havia condições de caminhar de tarde, ficamos apreciando o povoado e flertando
discreta, sorridente e educadamente as moças locais.
Conhecendo
o povoado de Massaranduba
Ainda
não descobrir o que significa o nome buscaú, mas sei que massaranduba é uma
madeira de lei. Se pudesse voltar no tempo, poderia observar melhor e fazer
muitas perguntas a minha família e os moradores mais antigos que deveriam ter
em suas memórias ótimas histórias. Como isso seja improvável, ficarei com as
minhas.
A
segunda noite havia chegado, estava clara ao ponto de poder enxergar a estrada
de barro. O ar tinha um cheiro adocicado de mel de engenho trazido pelo vento
de algum canavial sendo queimado.
Antes da
nossa viagem para conhecer Buscaú, tivemos a feliz ideia de levar peças de
roupas para ocasiões, como, por exemplo: calças compridas e camisas bonitas
estampadas com o etilo da época de jovens da nossa idade usavam. Do lado de
fora, já ligando o carro para sair, o primo mais velho estava impecável usando
um terno marrom e com uma bíblia na mão. Como eu era da família, fui na frente
com ele e os demais atrás na carroceria, onde exatamente eu queria ir. Quando
dirigia o primo mais velho não falou de religião, dizia que sempre pensou em
visitar a família do litoral e tomar banho de praia, mas as suas obrigações com
a família e a igreja eram muitas.
Vez ou outra parava o carro para oferecer carona para
quem seguia o mesmo percurso, que não era longo.
Se
aproximando do povoado de Massaranduba escutamos os sons da alegria. Tudo parecia
bem animado e convidativo quando chegamos. Tinha um pequeno parque de diversões
com ingressos muito modestos e barraquinhas de comidas. Mas não chegamos a nos
divertir como imaginamos, o primo caçula chega ofegante avisando que o culto
iria começar. O meu amigo não entendeu muito a situação. Falei ao primo caçula
que já estávamos indo e tive um particular com o grupo. Disse que apesar de
aventureiros éramos de menores e que seria natural que o primo mais velho fosse
responsável por nós num lugar que não conhecemos e que depois do culto
ficaríamos um pouco mais para curtir o parque.
Adentramos na casa de culto. Os homens usavam ternos e as mulheres,
roupas mais compostas, mas, que chamava mesmo a atenção era a nossa presença.
Na hora de começar o culto, surgiu a figura imponente do primo mais velho
segurando um microfone e falando louvores a Jesus e as tentações do diabo que
usa artifícios de festas e toda sorte de enganação para desviar o cristão de
sua salvação. Minha turma olhou para mim e fiz sinal dizendo que nossa diversão
já era. O primo mais velho continuava sua pregação, mas não conseguíamos
entender nada, o som alto e distorcido que misturava com a voz dos fiéis
dizendo exaltados a palavra aleluia. Nos sentimos armadilhados naquela situação
que piorava com as portas e janelas fechadas. Não foi a nossa intenção, mas
como não conhecíamos as peculiaridades desses cultos, os gritos de
Aleluia!!!!!! Modulados por timbres de vozes diferentes e o primo mais velho
dando mais gás, nos fez entrar numa crise de riso perigosamente contida. A
gente não poderia se olhar que a vontade aumentava. Meu amigo ficava vermelho e
meus olhos lacrimejavam querendo liberar aquela gargalhada “demoníaca”. Fomos
salvos por algumas moças muito bonitas que desde o momento que entramos não
tiraram os olhos de nós. Aquelas paqueradas inocentes, foi literalmente a nossa
salvação. Quando culto acabou e abriram as portas, o ar fresco entrou e com ele
o som da perdição da festa. O primo mais velho, que suava mais do que cuscuzeira
no forno, imediatamente nos chamou para o carro para o retorno à Buscaú.
No dia
seguinte, passamos o dia passeando por lajedos próximos e curtindo o movimento
da rua, pois as expectativas estavam agora para caçar tatu à noite. O primo
caçula providenciou tudo, os cachorros, uma enxada e rolos de papel jornal. Ele
explicou que essa caçada não usa espingarda. Quando se encontrava um buraco,
cavava mais um pouco com a enxada, enchia o mesmo de jornal e acendia. A fumaça obrigava o bicho sair da toca e era morto a pauladas. Mas felizmente essa caçada
foi um fracasso. Não muito longe dali, observamos uma cena de queimada que
muito nos impressionou, tinha lá a sua beleza. Retornamos para casa cheirando a
fumaça, tomamos aquele banho gelado, comemos bastante e depois de muitas
conversas na varanda fomos dormir. Acordamos cedo, já ansiosos por voltar para
casa e contar aos amigos a nossa aventura. Ainda durante o café da manhã, o
primo do meio que até então não tinha aparecido nessa história, chega com toda
a simpatia e bom humor num caminhão de pau de arara para nos conduzir a Bonança
e de lá tomarmos destino para o Recife.
Nos
despedimos da família com muito carinho e abraços. A tia ainda fez um farnel
para viagens com as gostosuras da bodega e o tio com aquele sorriso mandou
lembranças para os meus pais.
Nunca
mais retornamos para Buscaú, o que sabemos é que depois aquelas terras
foram desapropriadas e o povoado destruído ficando apenas alguns resquícios da
sua existência.